Maria

Maria saiu do autocarro com passo apressado e alguma ansiedade no olhar. Era o seu primeiro dia naquela escola.

Infelizmente, os pais encontravam-se desempregados e viam-se na contingência de ficar, por algum tempo, naquela pequena cidade do interior, em casa dos seus avós maternos. A transferência de escola, o novo ambiente, as pessoas que mal conhecia, tudo estava a  ser um pouco difícil; contudo, sabia, lá bem no íntimo, que a verdadeira prova à sua capacidade de adaptação estava prestes a acontecer.

Os pais prepararam-na muito bem para esta mudança, mas ela sabia que iria ser alvo da curiosidade dos seus novos colegas. As suas calças de ganga estavam bastante usadas, a camisola já tivera melhores dias e as sapatilhas também. O material escolar e os livros usados acomodavam-se na mochila, enquanto o almoço frugal, preparado com muito carinho pela mãe, seguia numa pequena lancheira. Nada disto a entristecia, sabia que tinha tudo o que precisava e que não lhe faltavam nem a coragem, nem a força de vontade para continuar os estudos e melhorar a sua vida.

Quando entrou na sala, todos os colegas se viraram curiosos, os olhos bem abertos, as canetas suspensas sobre os cadernos… Uma breve exclamação de espanto e, lá no meio, a voz de Joana sobressaiu: “Que feia! Não gosto dela!”

Maria fingiu não ouvir, mas doeu no seu coraçãozito apertado. Era a primeira vez que tal acontecia e, apesar do apoio da professora que de imediato admoestou a autora de tal exclamação, ficou triste, muito triste.

Os dias foram passando, e Maria cada vez se integrava melhor arranjando rapidamente novos amigos, mas… nem todos. Aquele grupinho de colegas não a aceitava.


Gostavam de exibir os seus vestidos bonitos, sempre de acordo com os ditames da moda, as sapatilhas de marca, os penteados, os batons e vernizes coloridos… E, quem não fosse bonito e elegante, não contava.

Certo dia, Joana não apareceu na escola.
“ A vossa colega sofreu um acidente de automóvel. Ficou um pouco ferida, mas felizmente não é nada de grave e está a recuperar muito bem. Em breve retomará as aulas, fiquem tranquilos!” Disse a professora.

Quando finalmente Joana regressou, ninguém queria acreditar.
“ Que horror! Que cicatriz tão feia tem na cara!” Exclamaram as suas amigas.

Joana não sabia o que dizer; sentia-se só, triste e desiludida com a reacção daquelas que deveriam ser as suas amigas.

Compreendia, agora, como os outros podiam ser cruéis, tal como ela tinha sido para com Maria.

Por falar em Maria, era ela que vinha na sua direcção com um sorriso aberto? Que bom sentir aquele abraço caloroso!
“ Anda, vem dançar. Inventámos uma nova coreografia muito engraçada. Estamos a planear alegrar o Natal dos meninos que estão no hospital. Queres participar?” Disse Maria.

De repente, Joana compreendeu tudo. Não valia a pena prender-se com coisas fúteis, elas não eram assim tão importantes.

A verdadeira felicidade não estava apenas nas coisas lindas que usava. Era aquele sorriso que recebia naquele momento, aquele calor humano, aquela dádiva de amizade desinteressada.
Sim, nunca sentira algo tão belo e tão profundo, capaz de dar um novo sentido à sua vida.

Chegou, por fim, o dia tão cuidadosamente preparado.
A sala resplandecia com as luzinhas a piscar, as bolinhas coloridas, as fitinhas cintilantes e, no palco improvisado, uma magnífica árvore de Natal decorada com enfeites realizados pelas crianças. Ao seu lado, um belo presépio com as figurinhas principais em destaque, como se quisessem recordar, a todos, o verdadeiro sentido daquela festa.

O grupo de Maria entrou com o seu número de dança. A música começou e todos, perfeitamente sincronizados, dançaram enquanto Joana cantava… Cantou e dançou por quanto tempo? 

Não sabia, apenas ouvia aplausos e via rostos sorridentes.
Naquele momento, a cicatriz desaparecera da sua alma tal como iria desaparecer da sua face.
Ao juntar-se aos colegas no palco para agradecer as ovações, sentiu-se pela primeira vez verdadeiramente feliz.

“És linda!” Murmurou Maria ao seu ouvido, enquanto um bondoso Pai Natal distribuía chocolates e presentes.
Ah! E abraços também…
Feliz Natal!

 

«As melhores e mais belas coisas neste mundo não podem ser vistas nem tocadas, mas o coração as sente.»
Helen Keller


Ana Luisa Tinoco