O Infinito é o Limite
Na aldeia dos Kleks, escondida na floresta, os seus peculiares habitantes viviam um dia especial. Era dia de Assembleia, e os jovens Kleks preparavam-se para a sua primeira apresentação ao líder. A partir desse dia, passariam a desempenhar as atividades consideradas mais árduas e perigosas. Avizinhavam-se dias difíceis, mas todos confiavam neles.
A orla da floresta, inundada pelos primeiros raios de sol, respirava frescura matinal. O verde-escuro das árvores enormes, perfiladas logo ali bem perto, contrastava com o sítio verde fresco, sarapintado de pequenas flores amarelas, onde todos se encontravam naquele momento.
Numa rocha mais elevada, uma figura alada, de rosto sereno e olhar penetrante, exibia orgulhosamente as suas magníficas asas douradas totalmente abertas.
Fez-se silêncio.
A sua presença marcadamente dominante impunha respeito, todos os presentes queriam ouvir o seu líder.
- Jovens Kleks, estamos hoje aqui reunidos para atribuir a pena dourada àquele que, de entre vós, demonstrar que a merece. Para isso, tereis que voar até onde vos for possível e trazer, até aqui, o maior e mais belo Kiv que encontrardes. Como sabeis, apenas vós podeis desempenhar tamanha tarefa, pois sois jovens e fortes.
Ouviu-se um clamor, e todos os seres alados presentes abriram as suas asas e soltaram um grito: kriiiiiiiiiiiik
Quatro jovens, impulsionados por tamanha energia, elevaram-se nos ares em direção à floresta. Contudo, ao verificar que haviam atingido a copa da árvore mais alta, pararam, não conseguindo ultrapassar essa barreira. Tal impossibilidade existia, porque ninguém conseguira tal intento sem sofrer graves consequências e, como tal, tornara-se proibido. Após algumas horas de buscas incessantes, os jovens regressaram finalmente à orla da floresta onde todos os aguardavam. Sem qualquer resultado, porém, desceram tristes e cabisbaixos. A verdade é que não tinham encontrado nenhum Kiv.
Apreensivo, o líder, abrindo as suas asas douradas, disse:
- Meus valentes guerreiros, não desanimeis! Regressaremos aqui todos os dias até que possais encontrar os Kiv necessários para refazer as nossas plantações, as quais, neste momento, já se encontram esgotadas. As sementes precisam de renovação o que, como sabeis, só é possível através de sementes selvagens. Este é o nosso único alimento; sem ele, corremos sérios riscos de extinção.
- Meu Senhor - responderam os jovens Kleks – explorámos a floresta, fomos tão alto quanto conseguimos e nada encontrámos. Ainda tivemos um encontro pouco agradável com os Setis que, embora não tendo asas, conseguem subir facilmente às árvores mais altas. Apesar disso, não desistiremos!
Enquanto tudo isto se passava, Tetris, o quinto jovem, acabara de acordar. Vivia ainda com os pais, pois recusava-se a abandonar a sua zona de conforto, sem perceber que esta apenas o sufocava e o limitava na sua ação. “ Não era o momento certo; as asas não se encontravam ainda completamente desenvolvidas; estava bem com os seus pais…” Dizia, sempre que tal inércia era comentada.
Os dias foram passando sem resultado, parecia que os kiv se tinham desintegrado e desaparecido. A situação era já de desespero na aldeia. Discutiam-se novas formas de aproveitar as sementes, mas sem resultado. Não havia alternativas, teriam que abandonar a aldeia em busca de novas florestas; mas como fazê-lo se estavam todos tão fracos? Agora, apenas aqueles quatro (cinco) jovens podiam voar! E não conheciam nada para lá da sua floresta. Sabiam que os Setis não os deixariam sequer atravessar a fronteira a pé. Precisavam das suas asas que, entretanto, sem o alimento adequado, haviam diminuído, tornando-se fracas e incapazes de desempenhar a sua função. Estavam perdidos!
Tetris acordou e, como fazia todos os dias, abriu as suas asas cor de fogo. Não havia na aldeia outro ser alado tão belo como ela. Naquele dia, porém, as penas vermelhas caíam murchas e sem brilho, como folhas de Outono. Foi com pavor que Tetris olhou à sua volta, pela primeira vez com olhos bem abertos, despertos finalmente para a realidade. Os pais ali estavam deitados, rodeados de penas murchas… Espantosamente e pela primeira vez, não se podiam mexer, e quase todos, à sua volta, se encontravam na mesma situação.
“Tetris, todos precisam de ti. Tu precisas de ti!” Sussurrou uma vozinha ao seu ouvido.
De súbito, movida pelo desespero, abre novamente as asas maravilhosas, ainda cobertas com um manto de fogo, solta os cabelos ruivos e, com um grito vibrante, eleva-se finalmente no ar.
Nunca se sentira tão bem, tão livre! Afinal, não era assim tão difícil voar.
E voou, voou… Apesar da fraqueza que sentia, não conseguia parar. Ela, que nunca acreditara nas suas capacidades, ali estava… as copas das árvores aproximando-se! De repente, sentiu-se mergulhar num azul imenso… As asas magníficas, livres de ramos e folhas, desdobravam-se em amplos movimentos, ajudando o seu corpo a elevar-se cada vez mais.
Olhou para baixo e o que viu?
Não apenas a sua floresta, mas uma vastidão enorme de florestas. Nunca nenhum Klek chegara tão alto! Surpreendida, olhou mais atentamente. Sim, era verdade! A sua floresta encontrava-se completamente despida de Kivs, mas… não podia acreditar… um pouco mais longe, as árvores ostentavam grandes e volumosos frutos. Apressou-se a colher um e voou rapidamente em direção à clareira, onde sabia poder encontrar os jovens guerreiros. Quando chegou, limitou-se a despejar a bolsa de onde rolou um grande, precioso e tão desejado kiv. Olharam estupefactos! Não percebiam como era possível que Tetris tivesse conseguido.
“Venham comigo!” Disse ela com firmeza.
Todos se elevaram escolhendo os espaços entre as árvores, tocando-se nalguns momentos, afastando-se noutros, mas… chegados à copa da árvore mais alta, algo os impediu de continuar. O que seria? Medo do desconhecido? Apenas sabiam o que sempre lhes disseram: “aquele era o limite, não poderiam ir mais longe.”
Entretanto, Tetris já seguia à frente rasgando o espaço.
“Temos que tentar. Vamos!” Lançaram-se corajosamente, seguindo Tetris. Afinal, nada os impediu de continuar e mergulharam na floresta onde colheram todos os kivs que puderam.
Naquele dia, todos se reuniram, mais uma vez, na orla da floresta. O líder faiscava no seu esplendor dourado. Com as asas abertas numa saudação ao seu povo, disse:
- Hoje, iremos atribuir a pena dourada, não apenas a um jovem, mas a todos os jovens Kleks que, com as suas capacidades e atributos, salvaram os habitantes desta aldeia:
Rama – Tory – Luya – Quar – Tetris
Rama: esta pena dourada é o prémio da tua persistência. Nunca vacilaste, acreditaste sempre que era possível, nunca desististe dos teus intentos.
Tory: esta pena dourada representa a tua força interior. As tuas asas fraquejaram algumas vezes, mas a tua força espiritual manteve-te firme no teu objetivo.
Luya: o teu espírito de grupo e altruísmo foram cruciais para que todos permanecessem unidos, apesar das dificuldades. Recebes esta pena dourada com todo o mérito.
Quar: foste o mais bravo guerreiro. Afastaste todos os perigos e protegeste corajosamente os teus amigos. Esta pena dourada é representativa da tua coragem.
Tetris: venceste-te a ti própria. Venceste os teus medos, arriscaste e descobriste novos horizontes. Deste-nos uma grande lição: quando vencemos os nossos receios e tudo o que nos limita e oprime, descobrimos sempre novas possibilidades, novas soluções, uma nova vida. Guarda bem esta pena dourada como símbolo do teu crescimento interior.
Dizendo isto, o líder solta um grito estridente e todos se elevam num arco-íris de asas coloridas em direção ao azul imenso; em direção à felicidade que só a liberdade pode proporcionar.
Tu, que te encontras na zona do ilusório conforto,
desperta, supera os teus medos, descobre quem és.
A. L. Tinoco